RESENHA: Johnny Gioeli ofusca o Eclipse na Hard ‘N’ Heavy Party em São Paulo

 


Hard ‘N’ Heavy Party – Manifesto Bar, São Paulo/SP (30/08/2025)


Texto por Marcelo Vieira

Fotos por Edu Lawless 


Johnny Gioeli

Em 28 de abril de 1992, quando “Double Eclipse”, álbum de estreia do Hardline, chegou às lojas, o cenário já era outro para o hard rock praticado pelo grupo, formado no ano anterior pelos irmãos Johnny (vocais) e Joey Gioeli (guitarra), ao lado do guitarrista Neal Schon (Journey, Bad English), do baixista Todd Jensen e do baterista Deen Castronovo.

Para se ter uma ideia, “Nevermind” (1991), do Nirvana, já havia conquistado seu terceiro Disco de Platina nos Estados Unidos, e as grandes gravadoras iniciavam um movimento em massa para contratar ou promover o próximo astro do grunge, enquanto dispensavam medalhões que, da noite para o dia, passaram a ser vistos como figuras ultrapassadas.

A despeito do contexto, o Hardline viveu meses de vida de rockstar. Os dois singles de “Double Eclipse” — “Takin’ Me Down” e “Hot Cherie” (sucesso anterior na voz de Danny Spanos, em 1983) — entraram no Top 40 americano, enquanto a banda excursionava pelos Estados Unidos e Canadá ao lado de Extreme e Mr. Big, e atravessava o Atlântico para uma temporada na Irlanda e no Reino Unido. Tudo isso até que, no fim do mesmo ano, o quinteto decidiu se separar.

Livre na praça, Johnny conheceu Axel Rudi Pell — e o resto é história: quase três décadas de parceria e uma discografia que soma cerca de trinta títulos entre álbuns de estúdio, ao vivo e coletâneas. Nesse período, o Hardline retornou em diferentes formações, sempre com a voz de Gioeli como elo com o passado, registrando discos que soam como uma “saudade daquilo que a gente não viveu.”



Por melhores que sejam dentro da proposta, os álbuns posteriores à reunião não alcançam o peso de “Double Eclipse”. Talvez faltem nomes como Schon, Castronovo, ou composições coassinadas por Mike Slamer, Eddie Money, Marc Tanner, Jonathan Cain…

Ainda assim, como mostrou o público da última edição da Hard ‘N’ Heavy Party, em São Paulo, que trouxe Gioeli e o sueco Eclipse, o material mais recente também tem apelo. Durante “Fever Dreams”, de “Danger Zone” (2012), ficou claro que as canções de Alessandro Del Vecchio conquistaram espaço. Mas o grosso do repertório continua vindo do disco de estreia, que Johnny, em entrevista a este jornalista, definiu como “o começo e o auge” de sua carreira: cinco das doze faixas de “Double Eclipse” marcaram presença, ocupando praticamente um terço do set. Em comparação à turnê de 2023, “Life’s a Bitch” ficou de fora.

Nesta segunda passagem pelo Brasil, Gioeli também tinha contas a acertar com um grupo específico de fãs: os Crushers, galera gamer que o conheceu pelas músicas que gravou para jogos da série Sonic the Hedgehog com o Crush 40. A dívida foi paga com “Live and Learn” e “What I’m Made Of…”. Segundo Johnny, a banda brasileira que o acompanhou — Bruno Luiz (guitarra), Bento Mello (baixo), Gabriel Haddad (bateria) e Flavio Sallin (teclado) — tirou as músicas em apenas um dia, mais um atestado da competência do mesmo time que, em março, esteve ao lado de Ted Poley na edição anterior da festa (veja aqui como foi).

Quando o telão exibiu o logo de Axel Rudi Pell, a plateia começou a pedir músicas: “Cold Heaven!”, “Rock the Nation!”. Mas a primeira executada foi “Long Live Rock”, verdadeira cartilha de como curtir música ao vivo. E ninguém parecia se divertir mais que o próprio Johnny: subia no praticável da bateria, pulava, gesticulava, simulava choques elétricos e chamava tanto músicos quanto fãs de “my São Paulo family”. A interação foi constante, com agradecimentos, pedidos de palmas e uma entrega que justificava cada aplauso. Antes da dobradinha “In This Moment” / “Take You Home”, na qual dividiu os vocais com Sallin, Gioeli propôs: “Deixem tudo que houver de ruim e pesado de fora. Reconheçam que, na vida, as coisas simples são as mais preciosas.”

Como um show de sábado à noite. 



“Oceans of Time” e “Carousel” completaram a fatia dedicada a Pell. E com o poder arrebatador de um hino de arena, “Hot Cherie” preparou o terreno para “Rhythm from a Red Car”, a faixa definitiva do Hardline, segundo seu letrista. 

“Será que agora posso finalmente ir pescar?”, brincou Johnny em certo momento, sugerindo uma possível aposentadoria.

Não, Johnny. Não deixaremos. E, pelo que vimos, você também não parece querer isso de verdade. Os peixes que esperem mais um pouco.

Setlist:

  1. Dr. Love (Hardline)
  2. Takin’ Me Down (Hardline)
  3. Long Live Rock (Axel Rudi Pell)
  4. Live and Learn (Crush 40)
  5. In This Moment / Take You Home (Hardline)
  6. Oceans of Time (Axel Rudi Pell)
  7. Carousel (Axel Rudi Pell)
  8. Fever Dreams (Hardline)
  9. Everything (Hardline)
  10. What I’m Made Of… (Crush 40)
  11. Hot Cherie (Hardline)
  12. Rhythm from a Red Car (Hardline)


Eclipse

“Screeeam for meee!”, brada Erik Martensson, apropriando-se da conclamação imortalizada por Bruce Dickinson no Iron Maiden — e que os brasileiros já conhecem de cor. Verdade seja dita, o Eclipse subiu ao palco diante de um público com o tanque quase na reserva, à exceção dos fãs mais fiéis ou daqueles que souberam administrar a energia para não abreviar a noite.

Com o ex-Hardcore Superstar Adde Moon assumindo a bateria no lugar do recém-saído Philip Crusner, os suecos retornaram ao Brasil para sua primeira apresentação solo. A estreia havia ocorrido em condições bem menos favoráveis: num grande festival, à uma da tarde, sob um sol que, de outonal, tinha apenas o calendário (veja aqui como foi). Se naquela ocasião, mesmo em desvantagem, o Eclipse conseguiu cativar e conquistar fãs entre um público majoritariamente headbanger, agora, tocando só para os seus, a expectativa era de goleada — uma verdadeira festa da firma, sendo a “firma” uma mistura de suseranos e vassalos do rock paulistano.



Outra vantagem de um show solo é a possibilidade de explorar um set completo. E uma das forças do Eclipse — completado por Magnus Henriksson (guitarra) e Victor Crusner (baixo) — está justamente na construção de repertório. A banda sabe equilibrar suas várias matizes dentro da paleta, limitada porém rica, do melodic rock escandinavo. Assim, o set foi costurado de modo a agradar tanto aos fãs das faixas mais agitadas quanto aos das mais emotivas e até das mais assumidamente pop, como “All I Want”, representante do mais recente volume do díptico “Megalomanium” — uma clara tentativa de ampliar horizontes e atingir um público mais diverso. Uns recebem bem, outros torcem o nariz. Eu, confesso, ainda estou tentando entender… e descobrir se gosto ou não do “novo Eclipse”.

Vale lembrar que experimentos nunca foram novidade para a banda. Vide “Battleground”, cujo refrão flerta abertamente com o folk metal, ou letras que pincelam temas mais atuais, como “Blood Enemies”, em versos que ecoam conflitos contemporâneos.

Um dos momentos mais marcantes veio com “Anthem”. Iniciada por trechos de “Hotel California” (Eagles) e “House of the Rising Sun” (The Animals), a música — que já nasceu clássica — fez jus ao título ao ser cantada em uníssono, com a liturgia prevista na execução de um hino nacional.



Com o avançar da hora, no entanto, mesmo Erik — ainda que seja hoje um dos compositores de ponta do melodic rock e do AOR — não conseguiu manter o público completamente em suas mãos, como Johnny Gioeli fizera. O cansaço começou a pesar. Conversas paralelas se espalhavam. Cheguei a me perguntar a real finalidade da presença de certas pessoas, mais interessadas em circular pelo novo Manifesto — o autoproclamado templo do rock cujas paredes e história justificam a alcunha — do que em prestar atenção ao que importava. Foi nesse contexto que o resgate de “Stand On Your Feet” soou quase irônico, já que parte do público parecia, justamente, desmoronar rumo à apatia.

Para os mais atentos — e com bagagem além do rock escandinavo contemporâneo —, houve uma surpresa especial: o riff de abertura de “The Sign of the Southern Cross”, do Black Sabbath, serviu de prelúdio para “Black Rain”, talvez a faixa mais pesada do Eclipse e a que mais se aproxima da definição de cáustica. Com a voz já previsivelmente dando sinais de desgaste, Erik entoou versos de tom sombrio, em que se sente o peso da desesperança: “There’s no one to rely on / Nobody’s coming through / It all depends, it all depends on you”.

A transição para “Twilight”, última do set regulamentar, foi sutil. No bis, com filas já se formando para o fechamento das comandas, “Viva La Victoria” virou “Viva La São Paulo”. Mas quem merece um “viva” mesmo é a turma responsável pela festa. Que chegue logo a próxima edição.

Setlist:

  1. Roses on Your Grave
  2. All I Want
  3. Run for Cover
  4. Battlegrounds
  5. Anthem
  6. Downfall of Eden
  7. Runaways
  8. Saturday Night
  9. Blood Enemies
  10. Wylde One
  11. Still My Hero
  12. Falling to My Knees
  13. Stand on Your Feet
  14. Black Rain
  15. Twilight
  16. I Don’t Wanna Say I’m Sorry
  17. Viva La Victoria


Comentários