ENTREVISTA com Kenny Powell (Omen): “A última vez que falei com J.D. Kimball, ele estava em uma viatura”


Fãs do Omen no Brasil que colecionem CDs têm reunido motivos de sobra para festejar nos últimos anos. Começou em 2019, quando a Urubuz Records lançou a edição exclusiva para o mercado sul-americano de 31 anos do álbum “Escape to Nowhere” (1988). Então veio a Nuclear Music em 2020 e acrescentou mais uma peça no quebra-cabeça ao lançar “Battle Cry” (1984) com direito a slipcase, pôster e bonus track. Agora, em 2021, Worship Music, Voice Music e Rock Brigade Records se juntam para completar a fase clássica do grupo pioneiro do power metal, lançando “Warning of Danger” — e anunciando “The Curse” (1986) e o EP “Nightmares” (1987) — também com slipcase, pôster e bonus track. Para celebrar tudo isso, convidei Kenny Powell, guitarrista, fundador e único remanescente da formação clássica do Omen, para passar a limpo a trajetória desse grupo pioneiro do power metal. A quase hora e meia de gravação rendeu; portanto, esta é apenas a primeira parte. Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli

Foto: Anastacia Papadaki (retirada de Facebook.com/OmenOfficial)


Marcelo Vieira: Uma vez você disse que queria ter sido piloto de corrida, mas acabou vendendo o seu carro de corrida e comprando uma guitarra; instrumento que, segundo você, é o carro de corrida dos instrumentos musicais. Como você desenvolveu a paixão pelas seis cordas?

Kenny Powell: Eu até que já tocava guitarra, mas não a ponto de levar muito a sério. O lance das corridas estava tirando todo o meu dinheiro. Então pensei: “Beleza, não dá para continuar com isso.” Mas meu amor era praticamente o mesmo pelas duas atividades.


MV: Você se mudou de Oklahoma para Los Angeles e se juntou ao Savage Grace, que era uma banda mais ou menos estabelecida. Ainda assim, você foi franco com eles para que não contassem contigo a longo prazo, que logo formaria sua própria banda e daria no pé. Você acha que as coisas poderiam ter sido diferentes se tivessem concordado em lhe dar mais espaço como compositor na banda?

KP: Eu disse a eles que ficaria por no máximo dois discos ou algo assim, mas o combinado era eu ter duas músicas por álbum. De qualquer forma, eu nunca ficaria para um terceiro disco.


MV: Você seguiu em frente sem ressentimentos. As coisas aparentemente aconteceram muito rápido desde a sua partida do Savage Grace até a participação do Omen na coletânea “Metal Massacre IV” e a entrada em estúdio para gravar o álbum “Battle Cry”. De quanto tempo estamos falando?

KP: Você precisa entender que a razão para eu ter entrado no Savage Grace foi porque Steve, Jerry e eu não tínhamos encontrado um vocalista adequado para a nossa banda. Nesse ínterim, Steve começou a tocar com o J.D. em uma banda de garagem, me convidou para assistir a um ensaio e pronto. A maior parte das músicas [do “Battle Cry”] foi feita no intervalo de meses. Depois que gravamos para a “Metal Massacre IV”, foram duas ou três semanas a mais para gravar o “Battle Cry”. 


MV: É verdade que você conseguiu o contrato com a gravadora [Metal Blade Records] antes de ter a formação estabelecida?

KP: Sim, é verdade. Brian Slagel e eu saíamos muito, íamos a shows e fazíamos outras coisas. Quando o Savage Grace decidiu não gravar “Battle Cry” e “Die by the Blade”, acabei ligando para ele e perguntando se gostava dessas músicas. “Você está brincando? São as duas de que mais gosto do Savage Grace!”, respondeu ele. Então falei: “Bem, essas músicas são minhas e eles decidiram não as gravar. Tenho uma banda praticamente montada em vias de arranjar um vocalista. Você teria interesse em nos contratar?” Ele não pensou duas vezes: “Negócio fechado.” Então fomos direto para o estúdio gravar.


MV: Uma das principais diferenças entre a NWOBHM e o metal estadunidense dos primórdios era a temática das letras. No caso do Omen, as influências medievais são latentes. De onde vocês tiraram essa inspiração para escrever principalmente sobre fantasia, história e guerra?

KP: Sempre gostei de Thin Lizzy, Black Sabbath e afins. Então foi natural para mim; já escrevia letras antes mesmo de a NWOBHM dar as caras. Quando J.D. entrou na banda, vimos que gostava das mesmas coisas, só que era um letrista muito melhor do que eu. Pareceu ser a coisa certa deixar as letras todas a cargo dele.



MV: A banda estava junta há apenas algumas semanas e vocês levaram apenas uma semana para concluir o álbum “Battle Cry”, fazendo tudo meio que às pressas. Você se lembra do orçamento que tinha à disposição?

KP: Era baixíssimo, uns 8 mil dólares ou algo assim. Gravamos todas as bases em um fim de semana. Durante a semana, eu trabalhava em horário integral e ia para o estúdio assim que acabava o meu expediente para gravar os overdubs etc. Chegava em casa, tomava banho, ia para a cama, acordava e repetia o mesmo passo a passo. Tudo foi feito na correria, sim, mas sem um pingo de desleixo e com energia de sobra.


MV: Em quais aspectos você considera o álbum “Battle Cry” um dos inventores do power metal?

KP: Acho que fomos um dos pais do power metal nos Estados Unidos. Antes de nós, a cena, sobretudo em Los Angeles, era composta ou por hairbands ou por bandas de thrash. Tanto que nosso filão inicial veio principalmente do Texas e de outros lugares fora de L.A. Mas acho que o passar do tempo mostrou o quanto ele [“Battle Cry”] foi, de fato, muito influente em toda a cena.


MV: Vocês tiveram mais tempo de estúdio e um orçamento maior para trabalhar no álbum seguinte, o “Warning of Danger”?

KP: Tempo e orçamento foram basicamente os mesmos, mas estávamos muito mais preparados como banda nesse álbum. 


MV: Liricamente, vocês foram um pouco mais ousados no “Warning”. Tem até música inspirada em “O Exterminador do Futuro”, né?

KP: Pode crer! Algumas das letras ainda são minhas e [essa ousadia] tem muito a ver com isso; ousadia vem naturalmente à medida que se adquire confiança. Mas rapidamente percebi que se deixasse as letras sob responsabilidade do J.D. poderia me concentrar apenas na composição musical e em tocar guitarra, e foi o que acabei fazendo, dando apenas alguns pitacos pontuais. 


MV: Gostaria que você falasse um pouco sobre a música “Red Horizon” em especial.

KP: Nós conhecíamos algumas pessoas que moravam na Polônia. Era a época da Guerra Fria, e nós nos solidarizávamos pelo que estavam passando. Então foi muito natural escrever essa música.



MV: Um flyer reproduzido no encarte da recém-relançada edição brasileira do “Warning” diz o seguinte: “Cansado de bandas que são mais bonitas do que a sua namorada? Nós temos a solução! O metal de verdade retorna a Los Angeles! 20 de julho, 1986.” Vamos direto ao ponto: você considera as bandas de glam metal um falso metal? 

KP: Não, mas para mim são apenas rock comercial. Eu não conseguia entender uma pessoa que dizia gostar de Poison e de outras bandas do tipo se autodenominando metaleira. 


MV: Mas havia algum tipo de rivalidade entre as bandas do glam metal e as bandas mais pesadas?

KP: Sim, com certeza. A gente pegava no pé de algumas dessas bandas, mesmo que essa atitude [naquela época] fosse o equivalente a meter a mão no vespeiro, sabe? [Risos]


MV: O Omen chegou a tocar junto com alguma dessas bandas?

KP: Tocamos com o Stryper uma vez. Foi engraçado porque ficamos zoando aquela coisa deles com o amarelo e preto, mas não levaram numa boa, porque nossos discos eram distribuídos pela mesma distribuidora na época. Recebi um telefonema no dia seguinte: “Por que vocês estão implicando com os caras?” “Por que não implicaríamos?”. [Risos] Não odeio a música que fazem e os respeito como músicos, mas, você sabe, perca o amigo, mas não perca a piada!


MV: Contos da estrada, né? [Risos]

KP: Sim! Nós saímos em turnê com o Metal Church e pregamos altas peças neles. Achamos que achariam engraçado e acharam! [Risos] Mas o Stryper não gostou e isso acabou com a turnê Heaven and Hell. Tanto que a Enigma, a distribuidora que estava por trás da turnê, nos ligou no dia seguinte dizendo que o Stryper não faria mais a turnê com a gente. Não éramos caras ruins, só estávamos nos divertindo! [Risos]


MV: Cristãos podem ser um pouco enfadonhos às vezes.

KP: Toda aquela coisa de Cristo... Sei lá, para mim não eram exatamente o que fingiam ser.



MV: Algumas vezes você disse que “The Curse” é o seu disco favorito do Omen, pois foi a primeira vez que a banda teve um orçamento decente e um pouco mais de tempo para gravar. Com isso, até a música acabou ficando um pouco mais técnica.

KP: É por isso que é o meu favorito, porque tive um pouco mais de tempo para ser mais técnico e trabalhar melhor nas harmonias de guitarra. Provavelmente não é tão direto na composição, mas posso dizer que, quando a grana acabou, quase tudo no “The Curse” estava exatamente do jeito que eu queria.


MV: Musicalmente, “The Curse” é o seu álbum favorito do Omen, mas o que você acha da capa dele?

KP: A capa do “The Curse” era para ser uma cobra lutando contra um lobisomem. Quando a arte veio, não ficamos lá muito felizes, mas a Metal Blade tinha gasto uma puta grana naquela capa e disse que a usaríamos e ponto final. O artista chegou a dizer que não ia cobrar para repintar; nós conversamos com ele, mas ele não entendeu bem o conceito. [Risos]


MV: O EP “Nightmares” deu aos fãs a impressão de que o Omen estava se tornando uma banda de thrash metal, mas isso nunca aconteceu. J.D. saiu, Coburn Pharr entrou, você uniu forças com o produtor Paul O’Neill, que contribuiu com sua visão, composição e direção musical. Foi difícil acertar os ponteiros com ele?

KP: Em primeiro lugar, o Omen nunca seria uma banda de thrash, mas amo tocar as coisas rápido. Tínhamos um álbum escrito, mas Paul nos fez descartar todas as nossas músicas e começar do zero, o que fizemos de pronto. Eu o amo, ele era um gênio, mas provavelmente não era o cara certo para ser nosso produtor. Todas as músicas que tínhamos foram jogadas no lixo e tivemos que reescrever tudo. Ele era um gênio e por isso até que me forcei a seguir na direção apontada por ele, mas o álbum que foi descartado era muito parecido com o “Nightmares”.

Além do mais, Paul não sabia muito sobre o Omen. Escolhemos trabalhar com ele por causa dos discos do Savatage que produziu. Mas foi uma experiência muito difícil. Nós fomos de Nova York para Los Angeles, imaginando que ficaríamos lá por alguns meses para fazer o álbum, mas levamos mais de um ano até realmente começar a gravar. Na real, o álbum nunca foi concluído porque usamos todo o dinheiro na pré-produção. Brian estava puto da vida e disse que não nos daria mais um centavo. Então Paul acabou pagando do próprio bolso, mixou o que tínhamos gravado até então, e foi isso. 

Tínhamos só duas ou três músicas finalizadas. Acho que só “It’s Not Easy”, “Escape to Nowhere” e o cover de “Radar Love” eram versões finais. O restante todo eram guias mixadas. 


MV: Curiosamente em meio a essas “guias mixadas” estava “Thorn in Your Flesh”, que se tornaria o maior hit do Omen nos Estados Unidos.

KP: Verdade! Paul ficava me dizendo: “Vocês têm que ter uma música pra tocar no rádio.” Então escrevi “Thorn in Your Flesh” e disse a ele: “Aqui está a sua música pra tocar no rádio.” Ele rebateu dizendo que não, que não era e não ia tocar no rádio, mas acabou entrando no Top 40 em algumas paradas de heavy metal e permaneceu lá por uns seis ou sete meses. Quem poderia imaginar isso?! Não investimos um centavo nela e, quando vimos, bum!, lá estava ela tocando no rádio. Foi bom porque ganhamos algum dinheiro em função disso e acabamos tocando em lugares que provavelmente não tocaríamos de outra forma, mas nunca mais me peça para escrever outra música para tocar no rádio!



MV: Certa vez, você descreveu J.D. Kimball como um ótimo cara para se ter por perto a maior parte do tempo, mas que havia um lado sombrio nele com o qual não conseguia lidar. Uma vez, ele disse que seus principais hobbies eram “beber, foder, foder e beber”. O quanto disso é real e ajudou a pavimentar o caminho dele para fora da banda?

KP: Por respeito a ele, nunca expus as merdas que aconteceram. Na maioria das vezes tudo ia bem, mas, no final, as coisas saíram do controle. Quando estava sóbrio, era um cara legal, mas bastavam algumas cervejas para que se transformasse em alguém completamente diferente. No final, vivíamos brigando, nos xingando, ele acabou indo preso e tudo mais. 

Depois de um show que fizemos abrindo para o Saxon em San Antonio, Texas, ele perdeu completamente as estribeiras, e o promoter local chamou a polícia. Ele disse que retiraria a queixa se eu concordasse em me responsabilizar por tudo que o J.D. havia feito naquela noite. Acabou que na última vez que falei com J.D. lá estava dele em uma viatura sendo levado para a delegacia. Lamento demais pela forma como lidei com isso.  


MV: Bem, você não está sendo desrespeitoso com ele por falar a verdade.

KP: Pode ser. Seguimos em frente com a turnê. Ao final dela, voltei para casa e o esperei entrar em contato, o que nunca aconteceu. Passados uns anos, corri atrás de saber por onde ele andava. Como não chegamos a ir à Europa na época, pensei que poderíamos nos reunir para ir tocar lá, colher os frutos que havíamos plantado sem saber ou, quem sabe, fazer algumas músicas novas. Um dia depois de sua morte, seu irmão entrou em contato comigo dizendo que J.D. sentia muito orgulho de tudo que havia feito no Omen, mas que não pretendia voltar a falar comigo. Foi um desfecho muito, muito triste. Mas ele simplesmente sumiu do mapa. O que eu poderia fazer? 


MV: O que você diria ao J.D se tivesse a oportunidade hoje?

KP: Eu teria lidado com tudo que aconteceu de uma maneira diferente. Tenho enorme respeito por ele como cantor e como letrista. É por isso que “The Curse” foi um ótimo disco, mas, em meio às sessões do “Nightmares”, ele ficou muito difícil de lidar e enchia a cara o tempo todo. Tinha umas crises na maioria das vezes antes de subirmos ao palco e acho que tinha dificuldade em lidar com a pressão do sucesso, porque estávamos nos tornando uma banda conhecida. Sempre trabalhei melhor sob pressão. Então não entendia isso, mas acho que havia algo ali, talvez um pouco de medo da pressão de se tornar famoso. É apenas a minha opinião, mas deu no que deu e foi muito triste. Ainda me entristece tocar nesse assunto.


MV: E como eram o estilo e a postura do Coburn em comparação com o J.D?

KP: Coburn era um baita cantor, mas não era lá um grande letrista. Quando chegou, tudo já estava meio que caindo aos pedaços. No fim das contas, eu sentia que a essência do Omen havia se perdido. Perdi totalmente a vontade de estar sobre o palco e senti que, se continuasse com a banda, aquilo acabaria me matando, porque já estava realmente me matando.


Leia a parte dois aqui.


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